terça-feira, 21 de agosto de 2012

Simplicidade é isso: quando o coração busca uma coisa só!

Pediram-me que escrevesse sobre simplicidade e sabedoria. Aceitei alegremente o convite sabendo que, para que tal pedido me tivesse sido feito, era necessário que eu fosse velho.

Os jovens e os adultos pouco sabem sobre o sentido da simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seus olhos estão fascinados por 10.000 coisas. Querem todas, mas nenhuma lhes dá descanso. Estão sempre prontos a de novo voar. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, nas suas cabeças, a multiplicidade é um espaço de liberdade. Com os adultos acontece o contrário. Para eles a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou, uma arapuca na qual caíram. Eles a odeiam, mas não sabem como se libertar. Se, para os jovens, a multiplicidade tem o nome de liberdade, para os adultos a multiplicidade tem o nome de dever. Os adultos são pássaros presos nas gaiolas do dever. A cada manhã 10.000 coisas os aguardam com as suas ordens (para isso existem as agendas, lugar onde as 10.000 coisas escrevem as suas ordens!). Se não forem obedecidas haverá punições.

No crepúsculo, quando a noite se aproxima, o vôo dos pássaros fica diferente. Em nada se parece com o seu vôo pela manhã. Já observaram o vôo das pombas ao fim do dia? Elas voam numa única direção. Voltam para casa, ninho. As aves, ao crepúsculo, são simples. Simplicidade é isso: quando o coração busca uma coisa só.

Jesus contava parábolas sobre a simplicidade. Falou sobre um homem que possuía muitas jóias, sem que nenhuma delas o fizesse feliz. Um dia, entretanto, descobriu uma jóia, única, maravilhosa, pela qual se apaixonou. Fez então a troca que lhe trouxe alegria: vendeu as muitas e comprou a única.

Na multiplicidade nos perdemos: ignoramos o nosso desejo. Movemo-nos fascinados pela sedução das 10.000 coisas. Acontece que, como diz o segundo poema do Tao-Te-Ching, “as 10.000 coisas aparecem e desaparecem sem cessar.“ O caminho da multiplicidade é um caminho sem descanso. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. A última das tentações com que o Diabo tentou o Filho de Deus foi a tentação da multiplicidade: “Levou-o ainda o Diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua glória e lhe disse: ‘Tudo isso te darei se prostrado me adorares.’“ Mas o que a multiplicidade faz é estilhaçar o coração. O coração que persegue o “muitos“ é um coração fragmentado, sem descanso. Palavras de Jesus: “De que vale ganhar o mundo inteiro e arruinar a vida?“ (Mateus 16.26).

O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Adverte o escritor sagrado: “Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne“ (Eclesiastes 12.12). Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não há saber diante do qual o coração possa dizer: “Cheguei, finalmente, ao lar“. Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos, eles mesmos, nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à multiplicidade. A casa pertence à simplicidade: uma única coisa.

Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma coisa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa.“

Diz T. S. Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?“

Diz Manoel de Barros: “Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar. Sábio é o que adivinha.“

domingo, 5 de agosto de 2012

Onde Ir Vanessa da Mata

Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Prá seguir viagem
Quando a noite vem...
E também pra me perpetuar
Em tua escrava
Que você pega, esfrega
Nega, mas não lava...
Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem...
E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, murcha
Farta, morta de cansaço...
Quero pesar feito cruz
Nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem...
Quero ser a cicatriz
Risonha e corrosiva
Marcada a frio
Ferro e fogo
Em carne viva...
Corações de mãe, arpões
Sereias e serpentes
Que te rabiscam
O corpo todo
Mas não sentes...
 

MInha filhota em um dos muitos momentos" minimamente feliz "

"A felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro.
        Na vida real, o que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas.
        Um pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro que a gente não consegue fechar.
        São situações e momentos que vamos empilhando com o cuidado e a delicadeza que merecem alegrias de pequeno e médio porte e até grandes (ainda que fugazes) alegrias.
       'Eu contabilizo tudo de bom que me aparece', sou adepto da felicidade homeopática.
       Tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada segundo.
       Alguns crescem esperando a felicidade com maiúsculas e na primeira pessoa do plural: Dá pra ser feliz no singular: Podemos viver momentos ótimos mesmo não estando acompanhados e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes.
       E faz parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra 'quando'.
       Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', quando eu tiver um emprego fabuloso'. Tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer esquecer da felicidade de hoje.
       Como tantos já disseram tantas vezes, aproveite o momento.
       E quem for ruim de contas, recorra à calculadora para ir somando as pequenas felicidades.
       Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos tempos.
       Que digam.
       Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera."

(Leila Ferreira)










Em compasso de riso...


Dica para um findi feliz "in love"

Minhas tardes com Margueritte é um daqueles filmes que a gente tem vontade de levar para casa debaixo do braço e assistir com a família, num fim de tarde ensolarado. A história é pequena, simples, mas de uma grandeza encantadora. Conta a história de amizade entre Germain – encarnado por um Gérard Depardieu bem rechonchudo -, um pequeno agricultor e feirante desajeitado que um dia conhece, num banco de praça, a doce Margueritte.
Mas a afinidade entre as duas figuras, tão díspares tanto no tamanho, quanto no trato, não vai além da tranquilidade em dar comida, juntos, aos 18 pombos onde se encontram todas as tardes. Ela é um poço de delicadeza e tem sempre à mão um livro como companheiro. Desajeitado e rude, volta e meia ele aparece munido de seu enorme sanduíche e nutre aversão a papel. Livros, sobretudo.
Num desses encontros, ela lê para o novo amigo uma passagem do clássico da literatura existencialista, A peste, de Albert Camus e, impressionado com a descrição da invasão dos ratos à cidade, Germain acaba quebrando o gelo com relação às palavras, nascendo dali uma grande amizade. Mesmo que ele viva às turras com o dicionário. “As palavras que conheço não existem aqui e as que existem, eu não concordo”, revolta-se.
Sem grandes pretensões e de uma sinceridade rara nos filmes de hoje em dia, Minhas tardes com Margueritte, constrói um delicado ensaio sobre a amizade entre estranhos. Entre as pessoas mais improváveis. “Nas histórias de amor não há sempre a frase “eu te amo”, mas posso dizer que nós nos amamos”, confessa o personagem de Depardieu, nos instantes finais da fita.