quinta-feira, 24 de março de 2011

Paraíso: O divino se faz carne. Rubens Alves

Pus-me então a pensar sobre a diferença entre prazer e alegria — ambos muito bons. E estas foram as conclusões a que cheguei.
Sobre o prazer:
(1) O prazer só acontece se o corpo tiver a posse do seu objecto. O prazer do sorvete só existe se houver um sorvete a ser lambido. O prazer do suco de pitanga só existe se houver suco de pitanga para ser bebido. O prazer do beijo só existe se houver a pessoa amada a ser beijada.
(2) O prazer se farta logo. Quantos sorvetes sou capaz de tomar antes que ele se transforme de objeto de prazer em causa de sofrimento? Quantos copos de suco de pitanga sou capaz de tomar antes que o corpo diga:
“Não aguento mais!”? Quantos beijos se pode dar na pessoa amada antes de enjoar? O prazer tem vida curta. O evangelho do prazer reza: “Bem-aventurados os que têm fome porque serão fartos”.

Sobre a alegria:
(1) A alegria não precisa da posse do objecto desejado para existir. Lembro-me do rosto de um amigo — ele já morreu —, mas esta simples memória me traz alegria, junto com uma pitada de tristeza. Sentimos alegria lendo uma obra de ficção, um objecto que nunca existiu pode nos
dar alegria, como é o romance entre Fiorentino Ariza e Firmina Daza ou o filme A festa de Babette. Paul Valéry: “Que somos nós sem o socorro das coisas que não existem?”. Que seres estranhos nós somos, capazes de nos alegrarmos comendo frutos inexistentes!
(2) A alegria nunca se farta. A alegria pede mais alegria. Alegria é fome insaciável. Da alegria nunca se diz: “Estou satisfeito!” “Chega!” O evangelho da alegria é diferente do evangelho do prazer: “Bem-aventurados os que têm fome porque terão mais fome!” Mas, vez por outra, a alegria e o prazer acontecem juntos. Quando isso acontece o corpo experimenta uma
efémera epifania do Paraíso: o divino se faz carne… Meu método se inspira na música e na poesia. As duas, poesia e música, são irmãs. Fernando Pessoa diz que poesia
é uma rede de palavras por cujos interstícios se ouve uma melodia que faz chorar. Todo dizer poético aspira por um silêncio de palavras — para que a música seja ouvida.




Rubem Alves

2 comentários:

  1. Adoro Rubens Braga...genial! A alegria é algo que realmente não tem preço e não precisa de objeto para se fazer presente e sobretudo sentida! Ela simplesmente é e para mim só depende de nós deixar essa linda chama acesa, brilhando em nós e por nós! Amo a alegria e tudo que vem com ela! Amo ver a sua alegria nata e que essa continue sendo uma das suas maiores caracteristica, irmã linda....Viva a alegria!!!

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  2. Linda é tu, minha little sister mimi!!!
    Valeu pelo comentário.
    Adorei falar com vc ontem, fiquei mais que alegre.
    Te amo pra lá de Bagdá!

    Bjs!

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